Seus cabelinhos tinham cor de puxa-puxa
Ela brincava de fadas e de bruxas
A mãe amarrava suas trancinhas com trapinhos ou com fiapos de buchas
Corria a menina de trancinha pelo terreiro bem varrido com vassoura de guanxuma
A soltar bolinhas de sabão, em logos talos de mamão, soprava pelos ares espumas
No Pantanal, a casinha era de pau, o chão era de terra batida e a cobertura era de palha
Do lado de fora havia uma grande fornalha
Onde se preparava o sabão, o pão e o doce de furrundum
Ali era perto de lugar nenhum
O enorme limoeiro sombreava seu palco imaginário inteiro
Nos galhos ela pendurava garrafas e, com um ferrinho de vergalhão, extraia muitos sons
Para ela, das verdes garrafas, saiam sons de pirilampos, ela ensaiava cantos
A menina de trancinha não alcançava os pirilampos, amava a sonoridade dessa palavra
Ouvira a tal palavra no radinho de pilhas, na voz da cantora que ela mais gostava
Sentadinha, no banco de jacarandá, ouvia as canções que a avó, da cidade, lhe enviava
Entre mamoeiros, limoeiros, trilheiros, alça-peixes, bocaiuvas e jenipapos
Brincava de boneca, de comidinhas, de boizinhos de limão e de arapucas no mato
Conhecia o esturro da onça, armazenou a catinga fétida em sua memória olfativa por toda vida
Sonhava com anjos e bicho papão, usando sua camisolinha de algodão, toda bordada a mão
Apreciava o calango que corria pelo esteio o dia inteiro a lamber  a chupeta do irmão
Com inquietude, nadava no açude, saltava da taipa com a graça de uma garça
No mundo pantaneiro a menina de trancinha galopava suavemente no seu cavalo manso
Entre pastos, corixos e aguapés, brincava de pega pega e passava horas no balanço
Até que, um dia,ao transpor a cerca de arame farpados, ficou com o cabelinho enroscado
Uma de suas trancinhas se prendeu, seu movimento se perdeu, gritou o mais alto que deu
A mãe apavorada se aproximou, o maior susto da vida ela levou
Ao ver sua menina de trancinha enganchada, com sua carinha toda ensanguentada
Sem saber o que fazer, no desespero materno que tudo tentava resolver
Pensou de imediato, diante do trágico fato, sem titubear, que a trancinha iria cortar
Eis que aparece o pai, estava apartando o gado, deu guarida a comitiva que iria prosseguir
Ele tinha que ser certeiro, com seu andar resoluto, gestos abruptos, precisava definir
Pois ali, não haviam recurso, homens pantaneiros eram padres, juízes e curandeiros
O pai ordenou a mãe que lhe trouxesse um banquinho e um garfo
A mãe se desespera, corre, traz mercúrio cromo, algodão, paninhos, tesoura e esparadrapo
O pai se zanga e, contundente, reordena que lhe trouxesse o banquinho e o garfo
Sentado, ao lado da menina de trancinha, ele desconstrói os nós do cabelo com o garfo fio a fio
Com paciência que jamais se viu, desfaz todo o embaraço, ignora o choro, o sangue e o supercílio em esgarço
Sabia ele que, no momento adiante, curaria o couro da pele rasgado sobre o olho, com graxa de anta e picumã
Enquanto isso, o filho mais velho, comovido, segurava, com força, a mãozinha da irmã
Assim, o pai salvou aquela trancinha que o encantava, da menina que ele tanto amava
E o olhinho ele curou, no colo ele a consolou, a noite lindamente chegou...
Ali, ao lado da cerca de arame farpado, a família ficou, iluminados pelo clarão do céu estrelado
Aninhados no terreiro prateado, banhados pela lua, embalados pelos sons brejeiros
No acalanto cancioneiro, na simplicidade alegre do aconchego pantaneiro