Por Flávio Girard Carneiro- fgirardbiologo@gmail.com

E as águas de março chegaram, de manso, depois de chofre, anoitecendo em silêncio desesperador da pretensa baixa de amanhã que não veio e na calada da madrugada já barulhenta pelo alvoroço dos moradores sendo expulsos das casas, pelo barulho dos Pantaneiros que levantam as três da manhã para começar o dia e de espanto em espanto o “Véio Aquidauana”, subiu oitenta centímetros e passou dos dez metros, pegou todo mundo de calça na mão.

Que me desculpem todas as pessoas atingidas de forma negativa pela enchente de nossos rios, córregos, corixos deste mundão que caba não, este é o preço de sermos Pantaneiros...
Mas, a capacidade de recuperação deste nosso ecossistema completo e maravilhoso denominado como pantanal, demonstra mais uma vez a Mão de Deus no controle exímio da natureza bruta, mas batuta, e como regente perfeito que é, nos devolve de forma brilhante a capacidade de repovoamento dos peixes que restaram e as crias vindouras dos animais nas áreas das inundações após a baixa nos pastos e florestas.

Recompõe a camada de solo desgastada e muitas vezes vilipendiada por operadores de máquinas agrícolas, recolocando nestes locais alem de matéria orgânica, uma quantidade enorme de sais lavados e levados pelas forças das águas que inundaram tudo. Coisa que se fosse para fazer com caminhões de adubo, nem em trinta anos de serviço não adubaria o pantanal.

Centenas a milhares de mortes de bezerros, vacas, veados, porcos e uma variedade de animais, sim, porém de volta a natureza com a enchente devolve muita coisa boa, isto se a olharmos com olhos otimistas, saborearemos a volta por cima das pastagens nativas e plantadas, que no começo pareceram mortas, mas revivendo em seguida, fornecendo aos sobreviventes uma quantidade e qualidade infinitamente superior de massa e palatabilidade aos que dela sobrevivem e engordam.

Temos a quantidade enorme de peixes que ficarão presos nas lagoas, baias e açudes invadidos pelas águas, criando mussuns, minhocas, minhocoçus, além das dezenas de espécies de vermes aquáticos que irão servir de alimento aos filhotes e pais destes, ofertados nas lagoas menores que secam facilmente. Sejam carnívoros, onívoros, mamíferos, pássaros ou repteis não importa, mas sim, haverá alimento!

Toda enchente acarreta ao homem detentor de posses na região algum tipo de ônus, pelo uso do local, cobrado pela natureza, INSISTO, a natureza não invade nossa casa, mas sim somos nós que a agredimos e invadimos!

Construímos nossas casas nas margens de rios e lagos, plantamos e colhemos nestas margens baixas e ricas de elementos orgânicos necessários para as plantações, e também criamos nestes locais, que desmatamos, tacamos fogo, aramos e gradeamos! Bem entendido, invadimos as áreas que a natureza informa ANO após ANO, que pode ser inundada...

Creiam meus amigos, não fico feliz com os resultados das enchentes, apenas vejo a capacidade de recuperação que a natureza impõe a cada ser humano ou animal envolvido nestas paragens!! Pantanal é pantanal e ponto final.

Todos os moradores de margens de rios, largos ou não; sabem que um dia correrão! Todo fazendeiro criador de gado ou dono de plantação, sabe que na região, um dia vem recessão.

As estradas das regiões administradas pelas prefeituras se acabaram, as administradas pelo governo federal idem, mas fazer o que? Recuperá-las o mais rápido possível, pois o coração do homem Pantaneiro pulsa mais rápido que o dos demais homens, sejam moradores que ficaram alocados nas escolas, nas quadras de esporte ou em casas de amigos, ao primeiro sinal de baixa já esta planejando sua volta, perdemos muito e vamos recomeçar, o que passou, passou!

Os fazendeiros não deixarão de criar gado pelas perdas ocorridas, respirarão fundo, olhando nos “zóios” dos bichos da região e colocarão os touros na monta!

A Natureza é isto, sem medo nem dó nem drama. (trecho da música – um violeiro toca/Almir Sater) Não tem onde não pegou água grande, seja em Aquidauana e região, no Passo do lontra, Abobral, Rio Vermelho e com toda certeza do mundo no Rio Negro onde deu a famosa DECUADA!!???

Não tem choro!!

Fazendeiro Pantaneiro dos bons pula nágua e pega bezerro pela orelha,joga na chalana e leva boiada mais nova para os campos mais secos e a boiada velha se vira nos capãos de mato com água pelo joelho. É, meus amigos... A rapadura é doce, mas não é mole não!!!

Temos que ter orgulho de estarmos situados e sitiados neste coração Pantaneiro no centro do Brasilzão, olhado e apreciado por todos os países do mundo!

Quem tem dúvida disto veja a nacionalidade de seus amigos, vizinhos e parentes, não dará conta de enumerar os países que cruzaram os genes e hoje são todos Sul Mato-grossenses e Pantaneiros de coração.

EITA ORGULHO DE SER PANTANEIRO!!!

FGirard- Biólogo- Há mais de trinta anos Andarilho/Estudante/Fotografo/Pescador nos
rios da região.