Partidas e chegadas!

Desejava dar passos eficientes, mais rápidos....o peso do corpo e da vida a impediam de desenvolver a marcha diária com precisão, sua caminhada se alternava entre passos curtos e um arrastar-se que revelava sua existência morna...
Os quarteirões atravessados ao longo do trajeto eram, um a um, palcos descortinados de um stand up de improviso sem improvisos...
Alimentar-se era o único prazer, a comida pode suprir mais que a fome, o ato de dirigir-se a um balcão de um bar, de uma padaria, pode ser a única autonomia ou oportunidade de um contato pessoal, de um diálogo, ato de supremacia para um carente inveterado ou a consolidação da humilhação para um pedinte subjugado.
Durante a mastigação em um ambiente povoado, saborear o público, seus gestos, conversas e movimentos, pode ser mais digerível que o escasso lanche, adquirido com pouco recurso, costumeiramente, ou doado com contristação.
Cruzar a rua, abrir o portão de ferro... o estreito corredor armazenava melancolia, nele, todos os dias, atravessavam ímpetos, desejos, anseios, medos, coragem, desânimos, determinação e um orgulho voraz de quem desejava vencer na vida sem chances, sem planejamentos, sem cabimentos....
Ao lado do corredor, um fino colchão de solteiro com um lençol esticadinho, fingindo ser limpo, dada a perfeita arrumação, uma espuma forrada com um tecido aguardava aquele olhar de cansaço. Quem tem pouco fica inebriado com um pedaço qualquer, apenas um pedaço, de teto, um pedaço de chão, um colchão, um sabonete novo, um lugar, um repouso.
No outro dia, recomeço para o nada, para ser, mais uma vez, um transeunte no início da noite, onde a vida dói, onde a cidade se desconstrói, no final de uma jornada robotizada, onde se volta para o colchão, onde as malas esfregam na cara que se vive de improviso, sem a solidez de um bom abrigo, onde se divide os custos da sobrevivência e escora-se nos dias, dia após dia, sem questionar o rumo, a essência, a permanência...
Há a súbita insegurança, há desesperança, há esperança, há a força motriz, improvisos na noite iluminada, nas vitrines de uma grande cidade, onde as luzes, como a lente embaçada de uma câmera, ou como os olhos marejados, podem ser apenas pontos acesos que nada iluminam, falam menos que o breu das matas, um dia ignorada pelas janelas desgastadas nas estradas, pelos esquecimentos de onde viemos... é chegada a hora de voltar, armazenar o pouco que se tem em caixas de papelão, voltar com menos do que se foi, ser mais um estorvo a menos, em busca do que a vida permitirá...
Abandonar o desafio, fingir-se de forte, mentir pra si, riso contido, calmaria adquirida com porrada, voltar com muito, sem nada...voltar!