O inferno, diria Sartre, são os outros... O outro (ou os outros) incomoda, especialmente se pensa ou age de formas distintas daquelas que julgamos como corretas ou “normais”. Sempre desconfiei de quem apresenta suas opiniões com tanta veemência que acaba por desqualificar todas as demais. Penso que na adolescência/ juventude tentei impor a colegas e parentes próximos um jeito de ser/ ver o mundo, mas que com o passar do tempo e o amadurecimento revi este comportamento pouco assertivo e afeito ao diálogo. O outro existe justamente para lembrarmos que as coisas não podem ser apenas como queremos/ desejamos. A convivência é saudável porque expõe nossas fraquezas, nos faz (ou deveria nos fazer) enxergar o quanto somos limitados e pequenos. Eu não tenho todas as respostas, assim como o outro também não as possui, mas se pudermos colocar nossas ideias/ opiniões/ perspectivas em diálogo (e não em confronto sangrento) em que razão e emoção tentem se equilibrar, creio que teremos um belo caminho a percorrer a nossa frente. Ouço críticas que considero descabidas a minha postura. “O senhor não vai se posicionar em relação à PEC (qualquer número que seja)? À eleição de Donald Trump nos Estados Unidos? Ao genocídio ocorrido em algum ponto do planeta?” Para mim, estas e outras perguntas escondem, na verdade, o desejo de meu interlocutor de me chamar de “alienado”, “pequeno burguês”, “coxinha” ou “petralha” (e alguns nomes mais feios), dependendo do espectro ideológico ao qual pertença ou pense pertencer. Pois bem, caros leitores, anos de convivência com gente de todos os tipos de caráter, e muitas aulas de Antropologia e sessões de terapia, me fizeram enxergar/ sentir que entre o dito e o feito há, por vezes, uma longa distância. Ora vejo alguém defender com unhas e dentes algum partido, lembrando sempre que quem rouba está em outro partido; ora escuto gritos ecoando na universidade onde trabalho, pedindo respeito às mulheres, aos negros, aos homossexuais, aos indígenas e a tantos outros, vindo de gente que no dia a dia não respeita a si próprio e nem a quem está a volta. Palavras de ordem, paralisações, greves, manifestações, creio que tudo isso seja legítimo. Combater ideias contrarias às nossas é saudável, desde que não percamos o horizonte da convivência entre diferentes e de que nossas ideias podem não ser as únicas a serem as respostas “certas” para consertar “tudo” o que está “errado” no mundo! Aliás, por que não prestamos mais atenção à maneira como lidamos com os outros no cotidiano? Por que não agimos com mais respeito e paciência, inclusive para dar tempo ao outro de refletir sobre nossas opiniões, ao invés de querermos “sempre” ganhar as discussões? Aprendamos a, antes de emitir mensagens de ódio (sejam elas de direita, centro ou esquerda. Afinal o ódio é humano e não um privilégio dos outros, especialmente os “de direita”), refletir se o que vamos falar/ escrever tem relevância social, se contribuirá para mudar (ou não) o estado de coisas, se propiciará o diálogo ou o encerrará. Se não fizermos isso, correremos o risco de nos transformarmos em “filósofos de Facebook”, destes que destilam seu veneno para todos os lados, tentando convencer aos “ignóbeis”, aos “não iluminados” ou aos “alienados” de que há aqueles que são os legítimos portadores de ideias incríveis. Muitos deles – e eu conheço bem alguns desde criança – enfrentam sérias dificuldades em seus relacionamentos intrapessoal e interpessoais. Seu jeito de enxergar/ sentir o mundo tem muito a ver com o modo como lidam consigo mesmos e com os outros, que na opinião destes “iluminados” serão sempre o inferno. Penso que, mesmo algumas aulas de Antropologia ou muitas sessões de terapia, não os fariam enxergar que o inferno, muitas vezes, somos nós mesmos e que as mazelas sociais espelham muito das mazelas que cada um de nós carrega/ arrasta/ esconde dentro de si!