Agora que não tenho desenvolvido mais projetos na rede social Facebook, tais como os “Diários sem motocicleta” – que escrevi enquanto estive em Logroño, Espanha, nos primeiros meses do ano passado – pretendo me dedicar a registrar algumas impressões de viagem para a coluna, revelando certos aspectos curiosos de minhas andanças pelo Brasil afora e, também, fora do Brasil. Desde o dia 05 de janeiro estou vivendo em Assunción, capital do Paraguai (quem não se recorda da letra da música Galopeira? Galopeeeeeeeeeeeeeeeira...), por conta de estudos de pós-doutorado, o segundo, desta vez em História. Afastado da Universidade Federal do Amapá (Unifap) por um ano, encontro-me vinculado nesse momento à Universidade Federal Fluminense (UFF), sob a supervisão da professora Maria Regina Celestino de Almeida, pesquisando a escrita de um jesuíta do século XVIII, o padre José Sánchez Labrador. Ele, que era espanhol, viveu com os ancestrais dos atuais Kadiwéu, de Porto Murtinho, e dos contemporâneos Kamba, de Corumbá (investigados por mim, respectivamente, no mestrado e no doutorado), legando-nos preciosas descrições etnográficas (ainda que etnocêntricas) sobre estes e outros povos. Desde que cheguei à capital paraguaia tenho vivido um turbilhão de fortes emoções, muitas delas ligadas às minhas origens, pois minha mãe, como sabem os leitores da coluna, foi criada na fronteira entre os dois países e carrega com honra a forte herança Guarani de nossos antepassados. Por falar em Guarani estou iniciando os estudos na língua, além de aperfeiçoar o meu Espanhol. Tenho visitado todos os dias o Museo Etnográfico Andrés Barbero para ter aulas com a professora Angélica Otazu, além de realizar minhas pesquisas que, espero, culminarão com a escrita de um texto sobre os antigos Guaikuru e Chiquitanos, observados por um jesuíta. Além de me dedicar aos estudos, tenho procurado por minhas raízes paraguaias e encontrei parentes sobre os quais passei uma vida apenas ouvindo falar deles: são os descendentes de tia Martina, a mais velha dos catorze filhos dentre os Torres Florentín. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir “novos” primos (Laura, Ana Lucia, Rosalba, Gloria e Facundo) e ao entrar em contato com a prima Zunilda, filha de tia Martina, a quem chamam carinhosamente de “Muñeca” (apelido que pode ser traduzido como “Boneca”, em Português!)? Na próxima semana minha mãe, Gregoria, acompanhada da amiga Marinelma, deve vir à Assunção e, juntos, vamos visitar os parentes e recordar “nuestros orígenes”. Um pouco incomodado por ver a capital do país tão suja e malcuidada, depois de dez anos sem visitá-la, ainda assim tive ótimas surpresas desde que cheguei aqui. Tenho percebido, por exemplo, que há um Cinema paraguaio interessante a ser descoberto e que não se limita ao filme “7 caixas” (“7 cajas”), que fez algum sucesso em mostras e circuitos alternativos no Brasil. Estou curioso para assistir, por exemplo, “La hamaca paraguaya” (sobre os efeitos da Guerra do Chaco, ocorrida na década de 1930, entre Bolívia e Paraguai) e “Libertad” (sobre o processo de independência política do país, no início do século XIX). A biblioteca do Museo, cuidadosamente gerenciado por Adelina Pusineri, amiga de longa data, tem se revelado uma guardiã de tesouros para mim e para outros pesquisadores dedicados à história dos indígenas americanos. Ainda quero visitar o Museo Arqueológico y Etnográfico Guido Boggiani, em San Lorenzo, além do Archivo Nacional, que se localiza perto do lugar que escolhi para viver este mês, no centro de Assunção. Por tudo o que me ocorreu desde que cheguei a esses rincões e por tudo o que ainda vai acontecer, só tenho a agradecer e dizer “Gracias” ou “Aguyje”, expressão utilizada em língua Guarani para dizer “Obrigado” ou “Que tudo está bem, perfeito”.