Florisvaldo da Silva Quadros , era um ser , sem ter sido . Ele chegava a perceber que muitos ao seu redor , sentiam que não era real . Apesar de tudo era um profissional que comparecia ao seu trabalho , cumpria suas funções se bem que , com pouco entusiasmo . As vezes  , alongava um diálogo com os fregueses , contando uma piada mais por profissionalismo que qualquer outro enfoque . Era  um dos  garçons mais antigos da equipe do Bar da Praça , se  descuidasse atendia os solicitantes sem nada falar, era extremamente tímido .  Com os demais colegas falava com mais facilidade ,mas sempre meio distante . Assim Florisvaldo vivia preocupado .

                Ouvia a conversa dos colegas , ria ,mas . . . continuava distante . Ouvia mais do que falava e ‘seguia’ sempre a maioria . Olhava como se não existisse , as pessoas pelas ruas , pelas mesas . Morava num pequeno cômodo , quase uma pensão , na casa de Dona Maria , num bairro não distante do centro , do bar . . .  de sua  ‘ação’ como profissional . Seu diálogo com Dona Maria , também era monossilábico, continuava como ouvinte, fato que a proprietária não levava a sério . . . ele era um vazio . Existia mas não tinha documentos , a não ser os básicos .

                Pouco dinheiro , sem amigos . . . foi atropelado por um caminhão, teve uma perna fraturada e , a outra amputada logo abaixo do joelho . . . quando ‘acordou’ , já estava tratado , foi aposentado por invalidez . Ficou pouco tempo internado . o custo leito é caro e foi entregue a Dona Maria . . . perna amputada , passou a ficar mais tempo no quarto e ouvir os reclamos da proprietária , auxiliando –a fazer o controle da casa .

                Fazia fisioterapia em sessões semanais , vivia com a porta do quarto aberta, exceto quando ‘descansava’ numa espreguiçadeira , presente da patroa , com quem conversava com mais frequência , mas , continuava como ouvinte ; depois do banho , de pijama ficava à janela ‘apreciando ‘ o movimento . Da janela ‘fez’ vários contatos : - sorveteiro , vendedor de quebra queixo , os estudantes que o apelidaram de ‘tio’ . . . com tudo isso , continuava taciturno , vazio  .

                Depois do jantar, continuava a ficar na mesa ,na espera de ‘mesa tirada’ , para ler os jornais do dia , assistir o JN ,  só então recolhia-se . . . quarto ‘espartano’ : - cama , cadeira de roda , cadeira , guarda roupa , um mundo do nada . . . a visita costumas era a de Dona Maria , que costumava acompanha-lo até o quarto , trocar a água da moringa , fechar a casa , verificar se havia necessidade de algo , sempre deixando um pedaço de bolo , uma fruta . . .

                Florisvaldo continuava ‘fechado’ , não sabia ser amigável , comunicativo , continuava sendo ‘bom’ ouvinte e nada mais . A visita diária da ‘senhoria’ acabou viciando e a presença no final do dia , esperada . Falava pouco ,  mas Dona Maria queria apenas alguém para ouvi-la , falar das novelas , dos filmes   . . . . não importando as respostas , ouvir/ouvir .

                Meses . . .  a cama foi trocada , ventilador , um WC com aparato para invalido . . .  e , o casal, combinava as parcas necessidades , aspirações , e os vazios se completaram .

                a.begossi – 27/07/2016 .